Espuma dos dias — “Van der Leyen, presidente da Comissão Europeia, anuncia em Lampedusa o enésimo plano da UE para travar a imigração ilegal”, por Jairo Vargas Martín

Seleção e tradução de Francisco Tavares

5 min de leitura

Van der Leyen, presidente da Comissão Europeia, anuncia em Lampedusa o enésimo plano da UE para travar a imigração ilegal

 Por Jairo Vargas Martín

Publicado por  .es em 17 de Setembro de 2023 (original aqui)

 

A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen (esq.), juntamente com a primeira-ministra da Itália, Geogia Meloni, durante a sua comparecência neste domingo em Lampedusa. – Cecilia Fabiano / LAPRESSE / Europa PRESS

 

Numa ilha a transbordar, com dias de mais de 6.000 desembarques, a presidente da Comissão Europeia tenta mostrar o apoio de Bruxelas ao governo ultra italiano, incapaz de cumprir a sua promessa de combater a “pressão migratória”.

 

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou neste domingo na ilha italiana de Lampedusa, epicentro da crise migratória do Mediterrâneo, um plano de ação europeu para conter a imigração irregular e compartilhar a gestão das transferências de migrantes chegados às costas italianas.

“Vim a Lampedusa para dizer que a imigração ilegal é um desafio Europeu e requer uma resposta europeia”, afirmou Von der Leyen acompanhada da primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, que pediu a assistência da líder europeia após a chegada de mais de 10.000 migrantes à ilha em apenas três dias.

As palavras de Von der Leyen não são novidade. Os termos são os mesmos que se repetem uma e outra vez em Bruxelas quando as chegadas de embarcações aumentam ou quando surgem episódios de tensão interna por conta do acolhimento ou da partilha de requerentes de asilo.

 

Palavras vazias

A UE tem contornado um debate sério e profundo sobre um fenómeno já estrutural desde que a crise dos refugiados de 2015 explodiu em várias fronteiras ao mesmo tempo. O urgente pacto Europeu de Migração e Asilo encara a reta final da legislatura sem se chegar a acordo e há quem duvide que saia adiante durante a Presidência espanhola do Conselho da UE ou, inclusive, da Presidência sueca, apesar de que ambos os países são mais ou menos favoráveis ao espírito do acordo e não parecem que procurem posições de confrontação interna.

Desde 2015 faltou o consenso no seio da UE em vários assuntos migratórios chave, enquanto as posturas mais beligerantes contra a migração ganharam peso, quer aplicadas por governos ultradireitistas ou por progressistas, sem conseguir um efeito de contenção nem de melhora do acolhimento.

 

Dez compromissos

O programa anunciado desta vez consiste em dez compromissos, entre eles um mecanismo de solidariedade para que outros países europeus transfiram migrantes que chegaram a Lampedusa fora da Itália. São medidas que já se trataram de aplicar com diferentes nomes e com diferente grau de coerção, embora nunca tenham chegado a funcionar como uma medida ágil e efetiva. Pretende-se também actualizar a legislação europeia contra o tráfico de pessoas num momento em que os recursos humanos e financeiros da luta contra as máfias dispararam, mas sem que se sinta um efeito real neste lado do Mediterrâneo.

Sobre a mesa também está a definição de novos corredores humanitários legais e seguros. É a principal medida que especialistas e ONGs exigem há uma década, embora as cautelas nacionais e europeias sejam extremas, exceto para o acolhimento em massa de refugiados ucranianos, que demonstrou que se pode administrar um êxodo em massa e repentino de uma forma notoriamente eficaz se houver realmente vontade política.

Von der Leyen também prometeu aumentar a vigilância aérea do Mediterrâneo, através de agências europeias como a Frontex, e coordenar com os países de origem protocolos para repatriar em condições seguras os migrantes que não preencham as condições de asilo europeias. Uma política de deportações que se tenta impulsionar tanto da UE como a nível nacional em cada país há anos, embora o sucesso seja escasso pelas reticências dos países de origem e trânsito em readmitir os expulsos.

“Nós devemos decidir quem entra na União Europeia, não os traficantes”, chegou a pronunciar no seu discurso após visitar o centro de acolhida ao qual chegam diariamente dezenas de barcaças de África.

 

Três dias de crise

A visita da presidente da UE coincidiu com a chegada de mais de 1.000 migrantes nas últimas horas à ilha, um número considerável, mas longe das mais de 10.000 que chegaram em três dias no meio desta semana.

Essa situação transbordou por completo a capacidade de acolhida da ilha, de menos de 6.000 habitantes e cuja área é de 20 quilómetros quadrados, e levou a líder do executivo italiano a reclamar a ajuda da União Europeia.

Por isso, Meloni afirmou que não considerava a assistência de Von der Leyen a Lampedusa um “ato de solidariedade”, mas de “responsabilidade”.

“É uma fronteira da Itália, mas também da Europa. Se alguém na Europa pensa que a crise global pode ser resolvida apenas deixando o problema aos italianos, está enganado”, afirmou a líder ultradireitista flanqueada pela representante europeia.

O programa europeu representa um respaldo à estratégia defendida por Meloni desde a sua posse há quase um ano: abandonar as disputas sobre a distribuição de migrantes entre os países europeus e concentrar os esforços em deter as saídas mediante acordos com os estados africanos.

A UE e Meloni selaram em julho um acordo milionário com a Tunísia, principal país de saída de embarcações, embora por enquanto só tenham divulgado imagens brutais de perseguição e violência com os migrantes no país ao mesmo tempo em que disparam as saídas.

A lógica é a mesma que já foi aplicada com a Líbia ou que a Espanha seguiu com Marrocos. O maior expoente desta externalização de fronteiras foi o acordo com a Turquia. Em todos os casos, a ajuda financeira para conter os fluxos acabou por se converter num mecanismo de pressão com fins políticos ou económicos nos quais a UE ou algum de seus Estados Membros se transformavam em reféns de países autoritários, mecanismo que acabou por abrir as fronteiras da UE para regularizar os migrantes no sul da UE.

 

Acordos de migração e asilo

Um dos compromissos mais esperados pelo governo italiano foi o último dos pronunciados por Von der Leyen, que pediu a aceleração da aplicação do acordo migratório que Bruxelas assinou com a Tunísia em julho passado e que incluía uma ajuda macrofinanceira de mais de 1.000 milhões de euros em troca de medidas de contenção migratória.

Minutos antes, as duas líderes percorreram durante um passeio de apenas duas horas os pontos quentes do drama migratório de Lampedusa, como o cais no qual milhares de migrantes ficaram presos há alguns dias e o centro de acolhida de seu porto, gerido pela Cruz Vermelha com escassa capacidade para 400 pessoas.

“Os traficantes são gente sem escrúpulos, enganam as pessoas e colocam-nas em risco apenas para ganhar dinheiro”, denunciou Von der Leyen, acompanhada também pela Comissária Europeia para Assuntos internos, Ylva Johansson.

Durante o seu percurso, um protesto de cidadãos interrompeu a sua passagem para expressar a sua sensação de abandono por parte da Europa e reivindicar mais recursos.

Só neste ano desembarcaram na Itália 127.207 migrantes, quase o dobro dos 66.237 do mesmo período de 2022 e o triplo dos de 2021 (42.750), segundo os últimos dados atualizados pelo Ministério do Interior.

“O futuro da Europa está em jogo e depende da capacidade da Europa de enfrentar grandes desafios. A imigração ilegal é um desses desafios transcendentais. Encontrei uma disposição colaborativa em Von der Leyen”, disse Meloni.

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O autor: Jairo Vargas Martín jornalista espanhol, redator e fotógrafo, trabalha para o Público.es

 

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